segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Diário de Anne Frank 2009 - Filme Completo


Por Ana Lucia Santana
Diário de Anne Frank foi composto pela então adolescente Anne Frank, no período que se estende de 1942 a 1º de agosto de 1944. Este poderia ser um diário escrito por qualquer garota de 13 anos, nos tempos atuais, com todas as inquietudes e preocupações de uma jovem, se ela não estivesse vivendo justamente em um dos contextos mais difíceis da história da Humanidade, a Segunda Guerra Mundial.
Ela tinha apenas 13 anos e, de repente, viu sua existência sofrer uma transformação radical. Subitamente Anne estava vivendo com sua família e outros judeus, companheiros da mesma sina, ocultos em Amsterdam, na Holanda, na época em que este país foi invadido pelos nazistas alemães.
Em palavras singelas e de fácil entendimento, a garota narra a rotina desta pequena comunidade durante o período em que seus integrantes permaneceram refugiados no porão do gabinete em que seu pai trabalhara, para onde o grupo se dirige ao tomar conhecimento do destino que lhes estaria reservado se fossem capturados pelas forças da Alemanha.
Neste recanto abrigam-se a família de Anne – a adolescente, os pais e a irmã -, e a do Senhor Van Daan – ele, a esposa e o filho Peter, que se torna o melhor amigo da garota, e por quem ela se encanta cada vez mais. A autora deste diário registra a vivência destas pessoas sob a ameaça constante da morte e sua visão pessoal sobre este terrível confronto bélico.
Anne tem a ideia de escrever um diário que pudesse realmente ser publicado após ouvir uma transmissão radiofônica que incentivava as pessoas a documentar os eventos ligados à guerra, pois este material teria, futuramente, um alto significado. Ela inscreve em seus escritos tudo o que se passa no cotidiano dos fugitivos, inclusive sua notória predileção pelo pai, que considerava amoroso e nobre, ao contrário da mãe, com quem a menina estava sempre em confronto.
Depois de tempos difíceis, oficiais da Gestapo descobrem o esconderijo, em 4 de agosto de 1944, prendem os refugiados e os conduzem para diversos campos de concentração. Neste mesmo dia o pai, Otto Heinrich Frank, recebe o diário da filha e, como é o único remanescente do período transcorrido como prisioneiro, luta pela publicação de seus textos, realizando finalmente o sonho de Anne. Com o auxílio da escritora Mirjam Pressler, ele alcança o seu objetivo e lança o diário em 1947.
Na primeira versão muitos trechos foram censurados pelo próprio pai, que tinha consciência do quanto seria controvertido, nesta época, divulgar os conflitos entre mãe e filha, bem como revelar aspectos da sexualidade emergente de Anne. Em edição posterior o diário foi publicado integralmente.
Anne morreu em pleno campo de concentração, em Bergen-Belsen, em fins de fevereiro de 1945. O Diário original está preservado no Instituto Holandês para a Documentação da Guerra. Os direitos autorais da obra de Anne estão reservados ao Fundo Anne Frank, localizado na Suíça, uma vez que Otto Frank faleceu em 1980.
Fontes:
http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_43217.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Diário_de_Anne_Frank

Eu Te Amo Renato

Na mesma época em que Somos Tão Jovens e Faroeste Caboclo estão em cartaz, tendo levado mais de três milhões de brasileiros aos cinemas, um novo filme explora a música e o universo do cantor Renato Russo: Eu Te Amo Renato. Trata-se da menor produção entre as três, feita com pouquíssimos recursos e concebida diretamente para exibição na Internet. Atualmente, o filme está programado no Rio Festival Gay de Cinema 2013.

Enquanto as duas grandes produções citadas acima foram acusadas de serem comerciais demais, formatadas para os gostos do grande público, este pequeno filme independente, que não deve nada a nenhum grande investidor, e que não precisa se preocupar com classificação etária, pode ser muito mais ousado, certo? Não exatamente. Embora fale sobre descobertas sexuais, amadurecimento e morte, o filme parece temer o choque, e conforta seu público com imagens um tanto convencionais.

A primeira metade do filme funciona como uma longa preliminar ao inevitável ménage à trois entre os protagonistas - dois garotos e uma garota. Sabe-se desde as primeiras cenas que eles têm atração uns pelos outros, e a câmera acompanha, sem a menor sutileza, cada olhar de desejo, cada mão encostando por acaso em um mamilo, cada braço roçando no outro. Quando finalmente a cena de sexo acontece, o filme perde sua vocação softcore para entrar na descoberta da (bi)sexualidade dos personagens.

No entanto, embora o trio esteja sozinho e nada se oponha à realização dos desejos - os amigos e a família estão distantes, os três estão em sítios belíssimos e isolados - a história não oferece nada além de uma sucessão de cenas de alegria coletiva, com os três belos jovens posando ora na entrada da casa (se beijando e sorrindo), ora sobre a grama (se beijando e sorrindo), ora dentro da piscina (se beijando e sorrindo), ora declamando letras de Renato Russo (se beijando e sorrindo).

Eu Te Amo Renato é sem dúvida o filme com maior quantidade de cenas de beijo no cinema. Tudo se resolve no beijo: Viu o namorado transando sozinho com o amigo? Nada de ciúme, beije os dois. Uma garçonete vê seu grande amor beijando outro? Ela corre e beija um terceiro. Acabou de fazer uma declaração de amor heroica e vergonhosa em público? Pegue a primeira pessoa que passar pela frente - não aquela para quem você se declarou - e beije-a. Lábios e línguas canalizam todos os desejos, frustrações e tristezas nessa história.

O diretor poderia pelo menos ter explorado de maneira ousada a intimidade entre os três, que passam metade do filme fazendo sexo. Shortbus e Nove Canções já trataram com bastante naturalidade a relação entre juventude, sexo e rock'n'roll, mas Fabiano Cafure prefere as ferramentas mais simples, típicas de telenovelas: quando seus personagens começam a se beijar e se despir, a câmera desliza para a parede, e a imagem corta para os pombinhos abraçados, na manhã do dia seguinte. Para um filme que pensa tanto em sexo, e tem tantas cenas grupais, evitar nudez e imagens do ato em si representa uma opção surpreendentemente conservadora.

Como na grande maioria dos filmes sobre relações amorosas a três, o elemento que destrói a harmonia do grupo não é tanto o ciúme, e sim o olhar externo. É com a descoberta local do amor poligâmico que surgem os problemas, e Eu Te Amo Renato envereda sem medo pelo melodrama, incluindo humilhações, brigas, cartas de amor secretas e duas mortes no mesmo dia, no mesmo momento. A trama acaba recorrendo a outra saída fácil: para solucionar os conflitos entre os três, simplesmente elimina-se, de maneira artificial e arbitrária, um dos elementos em jogo.

Por fim, Eu Te Amo Renato fracassa pelo abismo que separa sua aparência cool, libertária e libertina, e sua realização quadrada, pudica e cheia de fórmulas. Os atores são razoavelmente competentes em seus papéis, e a produção, apesar de pequena, sabe usar da melhor maneira os seus recursos. Cafure também consegue tirar proveito da leveza de sua câmera digital, aproveitando para captar alguns momentos de naturalidade entre os atores. Mas infelizmente uma oportunidade tão boa para se retratar algo ousado, digno das letras de Renato Russo, se transformou em uma tímida homenagem adolescente e envergonhada ao universo do cantor.

Éden

A primeira cena já provoca um certo estranhamento: Leandra Leal deitada dentro de uma piscina, rodeada por outras piscinas parcialmente cobertas por panos pretos. A imagem em si instiga pelo diferente e assim será durante boa parte do filme. Afinal de contas, Éden segue o estilo pessoal do diretor Bruno Safadi, onde a narrativa é apresentada através de elipses numa trama não-linear repleta de simbolismos, na qual a história não é tão importante quanto as imagens e os sons apresentados ao espectador. Trata-se de um filme sensorial, onde o sentido tem privilégio frente à perfeita compreensão do que acontece na telona.

Ainda assim, Éden traz uma história com elementos bem interessantes. Especialmente a figura do pastor evangélico, um personagem que surge com uma frequência cada vez maior no cinema nacional justamente devido à expansão da religião junto ao povo brasileiro. Ao mesmo tempo em que a interpretação de João Miguel impressiona pela entrega ao personagem, com pregações entusiasmadas às pessoas à sua volta, ela é apenas o ponto de partida para a representação de todo um universo em torno dos cultos evangélicos. É maravilhosa a sequência em que Karine, personagem de Leandra Leal, é levada à Igreja Evangélica do Éden. Em meio aos dizeres empolgados do pastor Naldo e de todo um entusiasmo das pessoas presentes no local, em especial o crente interpretado por Júlio Andrade, o olhar de incredulidade da atriz diante do show que ocorre naquele instante diz tudo, sem pronunciar uma palavra sequer. É, ao mesmo tempo, a devoção extrema à religião e a desconfiança sobre esta mesma devoção, dois universos antagônicos representados com exatidão.

O olhar de Leandra Leal, por sinal, é um dos grandes destaques do filme. É através dele que a atriz compõe as diferentes facetas de sua personagem, seja ela de medo, desamparo ou até mesmo sedução. Sua personagem, Karine, na verdade está desesperada após o pai da criança que espera ser assassinado, restando apenas um mês para o término da gestação. Sua reação, gravitando em torno do pastor Naldo, nada mais é do que desespero absoluto. Ela não acredita nele, mas ainda assim o segue por não ver outra opção.

Infelizmente, Éden não consegue manter o pique inicial ao longo de todo o longa-metragem, apesar de ter apenas 73 minutos. O impacto inicial é em muito diluído devido à trama envolvendo a religião perder força, apesar dela ressaltar certas atitudes, positivas e negativas, do pastor Naldo. Os próprios personagens de João Miguel e Júlio Andrade são pouco desenvolvidos, fazendo com que os personagens se destaquem mais pela precisa caracterização dos atores do que propriamente sua participação na história. Ainda assim, Éden mantém o interesse graças às opções do diretor por sequências um tanto quanto enigmáticas, não apenas pelos simbolismos retratados mas também pela trilha sonora angustiante, baseada no som emitido por baleias. Bom filme, que faz do estranhamento e das belas atuações seus trunfos para conquistar quem tem ao menos algum interesse pelo cinema que foge (bastante) do estilo hollywoodiano de se contar uma história.http://www.adorocinema.com/filmes/filme-213231/criticas-adorocinema/

sábado, 10 de agosto de 2013

Graupel Poetry

Graupel Poetry (algo como “poesia do floco de neve”, em tradução literal) começa como um drama realista: um casal gay acorda durante a noite, por causa dos pesadelos de um deles. O rapaz se levanta e pega um remédio, enquanto a câmera imóvel mostra a aspirina sendo dissolvida na água, durante cerca de dois minutos. O rosto do personagem está cortado pelo enquadramento. Parece que estamos no território comum do cinema de autor, com planos lentos, contemplativos, luzes naturais e cenas banais do cotidiano.

Mas logo o filme toma rumos inesperados. A imagem começa a tremer, como se existisse uma interferência magnética (alguns espectadores chiaram na sala, acreditando em um erro de projeção), o personagem passa a ter sonhos em que é perseguido. Os dois homens entram em um estranho bar silencioso, com uma diva estranha ao meio (imagem ao lado), que sufoca uma cliente do bar com o simples poder do olhar.

O diretor já tinha avisado, e mesmo incluído na sinopse oficial de seu filme, que Graupel Poetry era inspirado emDavid Lynch. No entanto, mais do que uma inspiração, esta obra lembra uma cópia de baixíssimo orçamento deCidade dos Sonhos. Todos os elementos e metáforas estão presentes: as caixas e cores simbólicas, os personagens que trocam de papel a certa altura da narrativa, assassinato misterioso e mesmo o famoso Clube Silêncio, em versão chinesa, com lanternas de dragões na entrada, planos fechados e muito gelo seco para encobrir o fato de que o local não tem uma direção de arte tão caprichada quanto no filme de Lynch.

Mas é justamente aí que se encontra o grande problema da obra chinesa: ela tenta resumir sua referência, sua paixão pelos filmes sombrios e eróticos, ao jogo nonsense e à narrativa fragmentada. David Lynch não se tornou famoso e respeitado apenas pela atmosfera sugestiva de suas tramas, e sim por um complexo uso de sons distorcidos, direção de arte onírica, enquadramentos precisos e referências metalinguísticas. Graupel Poetry, sem os recursos nem a reflexão necessários, passa apenas por uma história confusa, muito mal agenciada.

Assim, não se sabe qual dos personagens (ambos trabalham como atores) é de fato convidado para o filme de sucesso, se Ming conhece ou não a garota assassinada, se Ming e Leung são de fato irmãos ou não. Cada cena aparece para negar o sentido da cena precedente. Os espectadores do Rio Festival Gay de Cinema 2013 saíram confusos da sala, perguntando se tinham de fato entendido o que aconteceu. Ninguém possuía uma resposta milagrosa que conferisse coerência ao conjunto.

De qualquer modo, essa não parecia ser a intenção do diretor Bruce X. Saxway, que queria confundir, perturbar os sentidos, e nesse sentido teve sucesso. Talvez ele esteja contente com o resultado. Mas com seu prazer malicioso e auto congratulatório, o diretor se esqueceu de dizer algo sobre seu tema, esqueceu que o público também pode querer desfrutar da história – e não apenas ser manipulado em um jogo de faz de conta.http://www.adorocinema.com/filmes/filme-221672/criticas-adorocinema/

One Zero One - The Story of Cybersissy & Baybjane

Este documentário gira em torno de dois personagens: Antoine, um artista com cerca de quarenta anos, obeso e vítima de graves crises psicóticas, e Mourad, um artista de origem magrebina, vítima de nanismo, sem um olho, com deformidades nos dedos, quadril e outras partes do corpo. Juntos, eles fazem performances grotescas e hilárias como drag queens em casas noturnas.

Seria muito fácil imaginar estas duas figuras atípicas tratadas como atrações de circo, no melhor estilo tele-realidade. Pense nos closes que a câmera poderia fazer em nos dedos disformes, nos depoimentos lacrimejantes de um membro da família ou nas imagens das crises psicóticas de Antoine. Seria impressionante, catártico, emotivo, mas também desrespeitoso com estes dois indivíduos. Felizmente, One Zero One – The Story of Cibersissy and Baybjane está muito mais interessado em retratá-los como artistas.

Ao invés de fingir que esses dois seres humanos são idênticos aos outros (basta colocá-los ao lado dos rapazes musculosos das casas noturnas para ver que não são), o diretor Tim Lienhard prefere examinar o que essa diferença traz em suas trajetórias artísticas. O procedimento funciona como uma ideologia de discriminação positiva, tão em voga nas democracias europeias: ao invés de fingir que não está prestando atenção à diferença – algo que muitos pais ensinam às crianças, como sinal de respeito – o diretor observa-as com atenção e distanciamento, para saber como melhor lidar com elas. A discriminação positiva observa a diferença com atenção não para caricaturá-la, e sim compreendê-la.

Contribui muito ao projeto o fato de Antoine e Mourad serem sujeitos ativos do filme, com voz própria e uma surpreendente lucidez sobre suas condições físicas e psicológicas. “As pessoas adoram ficar perto de mim, porque elas se sentem belas ao lado de um homem feio”, diz Antoine. “As pessoas sempre olharam para mim, a vida inteira. Não posso fingir ser normal, não dá. Por isso decidi usar meu corpo a meu favor. Eu sou uma escultura”, diz Mourad. Assim como os entrevistados, o cineasta evita as cenas dos bastidores (nada sobre a vida amorosa, pouca informação sobre a família) para se concentrar no essencial: as performances dos dois.

Os shows de Cibersissy (Antoine) e BayBjane (Mourad) mostrados no documentário são interessantíssimos, porque encenados dentro de castelos clássicos, brancos, iluminados. Os números com vaginas pegando fogo, globos oculares literalmente saltando das órbitas e tecidos ocupando toda a cabeça entram em contraponto com a beleza convencional do mármore, das colunas e escadas em estilo tradicional. É como assistir à apresentação de uma banda punk na Capela Sistina: o choque funciona para ressaltar as diferenças, e os valores, do artista e do local que o acolhe.

Por fim, One Zero One – The Story of Cibersissy e BayBjane não mostra a trajetória politicamente correta de “dois deficientes que superaram os obstáculos e se integraram socialmente”, e sim de dois deficientes que decidiram usar suas deficiências como expressão artística e identitária. Esta também é uma forma de viver, e celebrar, a diferença.

Naked As We Came

Naked As We Came faz parte dos melodramas que acreditam que o ser humano só é profundo e interessante quando sofre. Esta história traz câncer, morte, maus tratos na infância, paternidade negada, problemas entre irmãos, divórcio, frustração no trabalho, talentos artísticos reprimidos, segredos, mentiras e todos os tipos de rancores. O roteiro coloca quatro personagens sofridos dentro da mesma casa e observa o inevitável confronto entre eles.

Os personagens em questão são a mãe, dois filhos e o ajudante dela, que mora na mesma casa. Todos são definidos nos diálogos por seus problemas: a mãe (Lué McWilliams) é tirânica e pouco amorosa, a filha Laura (Karmine Alers) é intolerante e implicante, o filho Elliot (Ryan Vigilant) nunca consegue levar os planos adiante, e o ajudante Ted (Benjamin Weaver) tem traumas com o ex-namorado. Eles se unem pela primeira vez por um motivo nobre (a mãe está morrendo), e a história faz malabarismos para que todos os conflitos aconteçam em poucos dias: o filho Elliot e Ted transam, a mãe pede desculpas aos filhos, Laura pensa se deveria voltar com seu marido, e todos brigam, se reconciliam, brigam mais e se reconciliam mais um pouco.

O ritmo intenso e condensado de Naked As We Came mostra a intenção do diretor Richard LeMay em fazer não apenas uma trama comum, e sim uma grande história ampla, universal, com direito a todos os valores familiares cristãos. Se não fosse pela aceitação bastante natural da homossexualidade – é a própria mãe, veja só, que empurra o filho para a cama de Ted – este filme passaria por uma fábula religiosa de amor ao próximo.

Mesmo assim, a produção é competente, com uma direção de arte simples e eficaz, além de planos que exploram com inteligência a geografia da casa. Os atores não parecem ter longa experiência no cinema, mas felizmente preferem as atuações contidas ao invés dos gestos exagerados – algo que poderia transformar o tom catártico do filme em uma paródia involuntária.

Saindo da exibição de Naked As We Came no Rio Festival Gay de Cinema 2013, a maioria dos espectadores parecia comovida e satisfeita com a sessão. Alguns comentários ouvidos fora da sala indicam que este drama conseguiu representar um escapismo eficaz, uma boa recompensa emocional. “Chorei muito. Gosto de filmes assim”, disse um espectador. Com um teor operístico envolvido em embalagem popular, acessível e gay, o filme oferece, para quem quiser, um curso intensivo de valores morais.http://www.adorocinema.com/filmes/filme-221670/criticas-adorocinema/

A Volta da Pauliceia Desvairada

Ao colocar sua câmera nas casas noturnas e festas gays de São Paulo, o cineasta Lufe Steffen adota um olhar de sociólogo. Ele tenta compreender porque gays e lésbicas saem à noite, que roupas usam, que expressões utilizam, quanto gastam, o que esperam do amor, do sexo, e mesmo da política e religião. O filme disseca o comportamento dessas pessoas como se tentasse compreender o funcionamento de ratos de laboratório.

Um grande mérito de A Volta da Pauliceia Desvairadaencontra-se na abordagem do cineasta. Não existem depoimentos refletidos, feitos com grande aparato técnico. Pelo contrário, Steffen filma as pessoas dentro das baladas, ou na fila das casas noturnas, a maioria delas visivelmente alcoolizada, e por isso mesmo livre para dizer o que pensar. O resultado é de uma espontaneidade muito bem-vinda no gênero. O documentário capta as hesitações e atos falhos de pessoas pouco preocupadas em impressionar ou passar uma boa imagem de si mesmas.

As dezenas de impressões pessoais representam os mais variados grupos de moradores gays de São Paulo: menores de idade, jovens adultos, pessoas de mais de 60 anos, homens, mulheres, travestis, transexuais, drag queens, DJs, donos de bares e discotecas. Todos são ouvidos com o mesmo respeito. Preocupado com a amplitude e imparcialidade de seu estudo de caso, o diretor concede a todas as casas noturnas um tempo equivalente, sem poder ser acusado de favorecer uma ou outra.

O resultado é o retrato de um tempo de incertezas. A música das festas ainda copia e recicla os anos 1980; vários rapazes gays sonham com um relacionamento sério, mas acham que todos os outros só querem sexo; alguns afirmam que se vestem com um estilo único, mas são idênticos aos colegas ao lado, que raciocinam da mesma maneira. O ato de sair à noite funciona como escapismo, e por isso mesmo é algo pouco raciocinado. Assim, o documentário desperta interesse por levar um olhar lógico a um prazer irrefletido.

O símbolo maior da fluidez nas relações encontra-se na tecnologia. Depois de citar rapidamente o consumo de drogas e álcool, o diretor vê nos smartphones, no Grindr, no Facebook e no Twitter uma forma de comunicação estranha, realmente nova e representativa da juventude atual. Existem diversas cenas com pessoas twittando enquanto dançam, ou dando um check-in nas festas em que estão, enquanto procuram parceiros pelo Grindr. “Ounderground é o novo pop”, “O bear é o novo gay” e outras fórmulas do tipo aparecem para tentar apreender uma época tão afeita às reciclagens, paródias, releituras e mashups.

No final, sem julgamentos nem homenagens, A Volta da Pauliceia Desvairada atribui um olhar muito interessado e interessante à sua época. Os letreiros iniciais já avisam que a cena gay paulistana muda rapidamente, portanto o filme deve ser compreendido apenas como uma representação de sua época. É esta a consciência e qualidade do documentário de Lufe Steffen: congelar em imagens um período de mutação, um tempo fugidio e incerto.