sábado, 10 de agosto de 2013

A Volta da Pauliceia Desvairada

Ao colocar sua câmera nas casas noturnas e festas gays de São Paulo, o cineasta Lufe Steffen adota um olhar de sociólogo. Ele tenta compreender porque gays e lésbicas saem à noite, que roupas usam, que expressões utilizam, quanto gastam, o que esperam do amor, do sexo, e mesmo da política e religião. O filme disseca o comportamento dessas pessoas como se tentasse compreender o funcionamento de ratos de laboratório.

Um grande mérito de A Volta da Pauliceia Desvairadaencontra-se na abordagem do cineasta. Não existem depoimentos refletidos, feitos com grande aparato técnico. Pelo contrário, Steffen filma as pessoas dentro das baladas, ou na fila das casas noturnas, a maioria delas visivelmente alcoolizada, e por isso mesmo livre para dizer o que pensar. O resultado é de uma espontaneidade muito bem-vinda no gênero. O documentário capta as hesitações e atos falhos de pessoas pouco preocupadas em impressionar ou passar uma boa imagem de si mesmas.

As dezenas de impressões pessoais representam os mais variados grupos de moradores gays de São Paulo: menores de idade, jovens adultos, pessoas de mais de 60 anos, homens, mulheres, travestis, transexuais, drag queens, DJs, donos de bares e discotecas. Todos são ouvidos com o mesmo respeito. Preocupado com a amplitude e imparcialidade de seu estudo de caso, o diretor concede a todas as casas noturnas um tempo equivalente, sem poder ser acusado de favorecer uma ou outra.

O resultado é o retrato de um tempo de incertezas. A música das festas ainda copia e recicla os anos 1980; vários rapazes gays sonham com um relacionamento sério, mas acham que todos os outros só querem sexo; alguns afirmam que se vestem com um estilo único, mas são idênticos aos colegas ao lado, que raciocinam da mesma maneira. O ato de sair à noite funciona como escapismo, e por isso mesmo é algo pouco raciocinado. Assim, o documentário desperta interesse por levar um olhar lógico a um prazer irrefletido.

O símbolo maior da fluidez nas relações encontra-se na tecnologia. Depois de citar rapidamente o consumo de drogas e álcool, o diretor vê nos smartphones, no Grindr, no Facebook e no Twitter uma forma de comunicação estranha, realmente nova e representativa da juventude atual. Existem diversas cenas com pessoas twittando enquanto dançam, ou dando um check-in nas festas em que estão, enquanto procuram parceiros pelo Grindr. “Ounderground é o novo pop”, “O bear é o novo gay” e outras fórmulas do tipo aparecem para tentar apreender uma época tão afeita às reciclagens, paródias, releituras e mashups.

No final, sem julgamentos nem homenagens, A Volta da Pauliceia Desvairada atribui um olhar muito interessado e interessante à sua época. Os letreiros iniciais já avisam que a cena gay paulistana muda rapidamente, portanto o filme deve ser compreendido apenas como uma representação de sua época. É esta a consciência e qualidade do documentário de Lufe Steffen: congelar em imagens um período de mutação, um tempo fugidio e incerto.

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